26.5.07

Arquiteturas e regimes totalitários

Acabei de ler um artigo muito interessante sobre conceitos totalitaristas na arquitetura, a exemplo da realizada no III Reich. O texto é de Junia Mortimer Cambraia e eu recomendo dar uma lida no link http://www.arqchile.cl/arquitecturas%20y%20regimen%20totalitarios.htm. O título do artigo é: “Arquiteturas e regimes totalitários”: o contra-exemplo nos estudos da arquitetura da república.

Abaixo, uma passagem do artigo sobre o desejo de Hitler de que o seu regime construísse uma arquitetura monumental e perene como a do Egito Antigo (o que, hoje sabemos, não foi bem o que aconteceu):

“Hitler tinha uma preocupação essencial de que os edifícios construídos por ele, através de Albert Speer, o arquiteto do III Reich, remetessem à lógica da duração e da grandeza da arquitetura egípcia, no sentido da permanência no tempo e da escala monumental. (...) é como se o encanto até hoje exercido sobre nós pela arquitetura egípcia – no caso especial das pirâmides – significasse também ao povo e à cultura egípcia a imortalidade pretendida por Hitler para sua nação. Trata-se de uma monumentalidade que garantiria efeitos carismáticos aos líderes, constituindo-se, portanto, fora da lógica histórica da cidade. É um discurso que se impõe no tecido urbano, engrandecendo, pela escala, pelas dimensões sobre-humanas, a suposta identidade soberana; a suposta origem divina; o suposto governo místico da burocracia totalitarista.”

Mas imperdível mesmo é a relação proposta pelo autor do artigo entre a arquitetura da cidade histórica de Ouro Preto-MG e o Centro Georges Pompidou, em Paris, projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers:

“Caminhando nas ruelas da antiga Vila Rica percebemos o quanto vemos do “dentro” da casa – sem que essa visão seja devassa – e o quanto somos vistos desse dentro – sem que isso seja opressor –, a um tal ponto de esse “fenômeno” ser caricaturado nas esculturas em barro de bustos colocadas nas janelas das casas. Numa outra dimensão desse conceito, desloquemo-nos para a famosa Paris e reparemos também isso acontecer na arquitetura hi-tech do Centro Georges Pompidou. Vê-se que não nos prendemos em tipologias nem em temporalidades durante o processo investigativo. Uma vez que o recorte é a cidade, temos o cenário do mundo e a duração da História para atuar. O que importa é observar os princípios propostos, e nesse caso, observar como acontece esse contato entre público/privado que gera a rica permeabilidade. Esse contato interior/exterior é de tal modo estudado no Beaubourg que teremos aí o curioso fato de a visita ao edifício para se ver a cidade ser mais recorrente que a visita para se ver o edifício propriamente dito. Sintomático de uma arquitetura que se faz para a cidade, e não o contrário."

25.5.07

Um bolo de aniversário com muitas velinhas? Ou o bairro de Parnamirim, Recife-PE. (clique na foto)

15.5.07

14/05/2007 16:30

O dia em que a mídia censurou os leitores

Pernambuco viveu, dia desses, um interessante movimento de rebeldia dos leitores dos jornais contra a censura de uma informação. O empresário Marcelo Tavares de Melo, genro do empresário João Carlos Paes Mendonça, dono dos maiores shoppings-center de Pernambuco, do Jornal do Commércio , de uma TV que retransmite o SBT e de várias rádios, foi preso pela Polícia Federal, junto com quase toda diretoria do grupo Tavares de Melo, acusados de formar um cartel para padronizar o preço da gasolina e praticar dumping.

Antes das 9h da manhã praticamente toda a imprensa pernambucana já sabia da prisão do empresário. Mas os sites dos três jornais e as rádios de Recife omitiam a notícia, mesmo ela tendo sido divulgada no noticiário nacional da CBN.

Foi aí que começou a acontecer algo curioso: os leitores mais bem informados começaram a fazer comentários nos blogs hospedados nos portais dos jornais pernambucanos. Os leitores cobravam informações dos veículos de comunicação.

Foi um deus nos acuda. Os blogueiros passaram horas deletando comentários. No portal JC Online, houve uma súbita mudança nas regras para os comentários das notícias: antes liberados, passaram a depender da aprovação de um mediador. Curiosamente, o mesmo aconteceu nos blogs e sites mantidos pelas empresas concorrentes. Foi assim no blog da Folha de Pernambuco, e também no Pernambuco.com, do Diário de Pernambuco.

Um caso raro de leitores censurados pela mídia.

Só no meio da noite, às 20h14min, um dos blogs assinados por um jornalista do JC publicou a informação da prisão dos empresários. Marcelo Tavares de Melo, o genro do patrão, foi apresentado como o sócio da distribuidora de combustível Ello-Puma. Cinco minutos depois, nova postagem: desta vez, anunciando que o advogado dos empresários considerava a prisão arbitrária e desnecessária.

Essa é a nossa imprensa regional, controlada por poderosos grupos políticos e empresariais.

Lamentável!

(por Zé Dirceu)

Reflexões sobre a metrópole contemporânea

Texto sobre o Grupo Stalker de investigação urbana, traduzido daqui. Muito pano pra manga, fica a expectativa da tradução do livro "Walkscapes" de Francesco Careri para o português...

Evocando o filme “Stalker”, de Tarkovsky, um grupo de arquitetos se constituiu nos anos 90 como coletivo de investigação urbana.

As reflexões sobre as grandes metrópoles se converteram em uma das principais atividades do pensamento contemporâneo. Pensar a cidade é hoje uma modalidade mais afilada para abordar qualquer diagnóstico sobre a nova subjetividade e as dinâmicas que a agitam.

Não em vão se afirmou que nossas cidades não mudaram radicalmente seu skyline, mas sofreram grandes transformações no que afeta seus órgãos internos e sua incidência sobre nossa experiência.

A cidade já não é tanto o modelo das construções organizadas sob o controle da observação de uma autoridade, mas um lugar que impede precisamente de submetê-la a uma ordem espacial capaz de predeterminar como há de habitar-se na cidade.

No âmbito das metrópoles, o “delirante” ganhou forma. Em 1979, a reflexão cinematográfica de Tarkovsky levantada em “Stalker” vagueava em torno dessas questões. Em meados dos anos 90, um grupo de jovens arquitetos romanos toma o mesmo nome para constituir-se como coletivo de investigação urbana. Entre suas primeiras atuações destaca-se o gesto, nada arbitrário, de redigir um manifesto programático: “Stalker attraverso i territori attuali” (Stalker através do território atual).

O espírito do grupo é expressado aqui com nitidez: se autodefinem como um laboratório de arte urbana, interessado na investigação das zonas periféricas das cidades, com a convicção de que aí é possível encontrar a cidade inconsciente que já interessou Breton e os surrealistas.

Claro que essa “cidade inconsciente” nos conduziria até as contribuições mais recentes sobre o metropolitano como o espaço “delirante” por onde flui a vida mais além das restrições da arquitetura e do urbanismo enquanto instrumentos sujeitos às ordens das estruturas dominantes.

Stalker opera sobre a exploração desses incontáveis territórios perdidos, difusos, disponíveis, indefinidos ou vagos que aparecem e desaparecem em nossas cidades. De fato, a metrópole contemporânea, ao multiplicar sem cessar os centros mediante os quais cresce em todas as direções possíveis, multiplica também suas periferias; mas, entre cada uma dessas estruturas centrípetas todavia convencionais, se incrementam também as zonas intersticiais, os verdadeiros “territórios atuais” que não pertencem ao perímetro de nenhuma das ordens organizadas.

A cidade adquiriu uma natureza arbórea nada previsível e ele comporta a aparição de numerosos retalhos de território, matéria sobrante do urbanismo convencional, nos quais é possível encontrar essa cidade inconsiente surrealista ou desenrolar a experiência Stalker de ocupá-los e experimentá-los.

A “transurbância” é o método que propõe o Stalker para atravessar, percorrer e mapear os “terrain vague”. Esta experiência do território por meio da transurbância é o tema que ocupa a investigação de Francesco Careri no livro “Walkspaces” (Gustavo Gili 2002), ainda sem tradução para o português.

Os primeiros projetos do Stalker se concentram nos passeios por cidades como Roma, Milão, Paris, levantando mapas muito similares às cartas de navegação ou aos esquemas celestes. Em uma segunda fase, os projetos Stalker aguçam a interação com os territórios experimentados. Com este tipo de operações, Stalker converte os “territórios atuais” em uma espéie de “post-it city” ou espaços ocasionais, de usos variáveis.