15.5.07

Reflexões sobre a metrópole contemporânea

Texto sobre o Grupo Stalker de investigação urbana, traduzido daqui. Muito pano pra manga, fica a expectativa da tradução do livro "Walkscapes" de Francesco Careri para o português...

Evocando o filme “Stalker”, de Tarkovsky, um grupo de arquitetos se constituiu nos anos 90 como coletivo de investigação urbana.

As reflexões sobre as grandes metrópoles se converteram em uma das principais atividades do pensamento contemporâneo. Pensar a cidade é hoje uma modalidade mais afilada para abordar qualquer diagnóstico sobre a nova subjetividade e as dinâmicas que a agitam.

Não em vão se afirmou que nossas cidades não mudaram radicalmente seu skyline, mas sofreram grandes transformações no que afeta seus órgãos internos e sua incidência sobre nossa experiência.

A cidade já não é tanto o modelo das construções organizadas sob o controle da observação de uma autoridade, mas um lugar que impede precisamente de submetê-la a uma ordem espacial capaz de predeterminar como há de habitar-se na cidade.

No âmbito das metrópoles, o “delirante” ganhou forma. Em 1979, a reflexão cinematográfica de Tarkovsky levantada em “Stalker” vagueava em torno dessas questões. Em meados dos anos 90, um grupo de jovens arquitetos romanos toma o mesmo nome para constituir-se como coletivo de investigação urbana. Entre suas primeiras atuações destaca-se o gesto, nada arbitrário, de redigir um manifesto programático: “Stalker attraverso i territori attuali” (Stalker através do território atual).

O espírito do grupo é expressado aqui com nitidez: se autodefinem como um laboratório de arte urbana, interessado na investigação das zonas periféricas das cidades, com a convicção de que aí é possível encontrar a cidade inconsciente que já interessou Breton e os surrealistas.

Claro que essa “cidade inconsciente” nos conduziria até as contribuições mais recentes sobre o metropolitano como o espaço “delirante” por onde flui a vida mais além das restrições da arquitetura e do urbanismo enquanto instrumentos sujeitos às ordens das estruturas dominantes.

Stalker opera sobre a exploração desses incontáveis territórios perdidos, difusos, disponíveis, indefinidos ou vagos que aparecem e desaparecem em nossas cidades. De fato, a metrópole contemporânea, ao multiplicar sem cessar os centros mediante os quais cresce em todas as direções possíveis, multiplica também suas periferias; mas, entre cada uma dessas estruturas centrípetas todavia convencionais, se incrementam também as zonas intersticiais, os verdadeiros “territórios atuais” que não pertencem ao perímetro de nenhuma das ordens organizadas.

A cidade adquiriu uma natureza arbórea nada previsível e ele comporta a aparição de numerosos retalhos de território, matéria sobrante do urbanismo convencional, nos quais é possível encontrar essa cidade inconsiente surrealista ou desenrolar a experiência Stalker de ocupá-los e experimentá-los.

A “transurbância” é o método que propõe o Stalker para atravessar, percorrer e mapear os “terrain vague”. Esta experiência do território por meio da transurbância é o tema que ocupa a investigação de Francesco Careri no livro “Walkspaces” (Gustavo Gili 2002), ainda sem tradução para o português.

Os primeiros projetos do Stalker se concentram nos passeios por cidades como Roma, Milão, Paris, levantando mapas muito similares às cartas de navegação ou aos esquemas celestes. Em uma segunda fase, os projetos Stalker aguçam a interação com os territórios experimentados. Com este tipo de operações, Stalker converte os “territórios atuais” em uma espéie de “post-it city” ou espaços ocasionais, de usos variáveis.

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